Nós (Us), de Jordan Peele - Crítica
SOMOS AMERICANOS!
Por que em um mundo onde todos somos iguais ainda temos que lidar com diferenças? Com fome, com miséria, com pobreza?
Nós vem logo após o excelente (e aclamado) filme de estreia do diretor e roteirista Jordan Peele, Corra!. Um Peele ainda mais maduro e uma história que não tenta e nem tem a obrigação de colocar um dedo na ferida como Corra!, mas que ainda assim tem potencial para tal.
Universal Pictures/Divulgação |
A trama segue uma família negra nas férias que se depara com outra família semelhante a eles, porém não tão semelhantes assim. E qual o objetivo da família cópia? Matar a família original. Nesse filme, Jordan Peele deixa claro suas intenções desde os comentários do próprio sobre o filme: é um terror! O espectador não precisa esperar algo psicológico mirabolante ou uma grandíssima explicação por trás da história a ser contada. É um filme de terror, com todos os elementos de um filme de terror, mas com toques novos que, atualmente, só Peele pode nos proporcionar.
A matriarca da família é sem duvidas a personagem mais forte. Lupita Nyong’o faz jus ao Oscar recebido anos atrás e entrega duas atuações viscerais: uma mãe super protetora, a Adelaide Wilson, e uma vilã assustadoramente maléfica, a Red. Dou ênfase a esta segunda atuação, pois foi criada uma atmosfera animalesca na personagem. Incluindo mudança de entonação e de feição. Já sobre a mãe super protetora, Adelaide, uma personagem que não desiste, que tem algo escondido e de uma força incomensurável que, inclusive, entra em contraste com o seu marido, Gabe Wilson (Winston Duke), que não se mostra forte todo o filme, pelo contrario, ele é muito mais o alivio cômico (algumas vezes exagerado) do filme. É Adelaide quem carrega a família, ela é a peça fundamental do filme e no filme.
Jordan Peele entrega um roteiro que ele mesmo já havia declarado ser diferente de seu primeiro filme. Infelizmente o roteiro acaba caindo em um didatismo, mas analisando-o como todo é possível notar pistas e simbolismos que foram jogados durante todo o filme e que servem para brincar com o espectador e irmos entendendo a história do período em que se passa o filme e do período anterior ao filme. Tudo conectado. Do letreiro no inicio do filme ao ultimo plano, tudo se conecta, nada é por acaso ou para encher linguiça. Há também uma perfeita alternância entre comédia e terror. Lembro-me de ouvir o próprio Jordan Peele em entrevista comparar ambos os gêneros (apontando suas semelhanças em ter que encontrar o tom certo) e aqui ele atua muito bem nas duas esferas, o ritmo em ambos é perfeito. É impressionante como ele consegue segurar bem, no roteiro e na direção, os tons desses dois gêneros. E por falar em direção, é com muita elegância que o filme é conduzido, seja quando ouvimos musica suave enquanto acontece uma sangria, seja quando ouvimos Fuck the Police em uma mesma sangria, tais momentos se combinam. E não só por mesclar musica e ação, mas também por criar muito bem uma atmosfera terror, melhor até que em seu primeiro filme (que não exigia tanto quanto esse), e por criar também toda uma tensão e antecipação do mesmo terror.
Uma grande história, que peca principalmente no já supracitado didatismo, mas que ainda assim foge dos clichês e abraça os clichês ao mesmo tempo. Ao passo que comemoramos um feito lógico dos personagens, os xingamos logo em seguida por um feito absurdo e assim o filme anda. Nós torcemos pelos heróis e, algumas vezes, é até compreensível as atitudes dos vilões. E a titulo de comparação com Corra!, não há uma crítica étnico-racial nesse filme (e digo "filme" como um todo). Não há negros fugindo de brancos, ou sendo perseguidos por brancos, ou coisa semelhante. É um filme de terror protagonizado por uma família negra e que tem como personagem mais forte uma mulher negra, até porque história a segue. Sem exageros ou sem precisar ficar apontando para si como "olha, nós somos negros e estamos protagonizando um filme". Não! As coisas acontecem natural e espontaneamente, como tudo deve (e deveria) ser.
9,0 por ser um bom filme de terror, que emociona, entrega boas atuações e uma história diferente. Uma história que só poderia sair da cabeça de Jordan Peele. No final das contas precisamos dar as mãos, até porque “somos americanos”, somos um mesmo povo, somos um só, somos nós.
(Por Kauan Oliveira)
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