Dois Irmãos: Uma Jornada Fantástica - Crítica

O APEGO PARTINDO DO NOVO


Histórias sobre família e sobre apego tendem a deixar um pouco mais quente o coração dos espectadores. Histórias da Disney/Pixar tendem a cutucar o coração dos espectadores, provocando lágrimas e uma humanidade a personagens “não-humanos”. Em Dois Irmãos: Uma Jornada Fantástica (Onward), o que vemos é a junção de uma história sobre família e, através da humanização, o apego ao passado vindo de dois personagens jovens. 

Walt Disney Studios/Divulgação

A animação narra os tempos presentes de uma civilização de elfos que no passado era reinada pela magia. Nos dias atuais, a tecnologia toma conta da vida destes seres que antes mágicos aparentemente viviam mais. Nesse contexto temos os personagens Ian e Barley Lightfoot que, após o aniversário de 16 anos do Ian, o mais novo, recebem do falecido pai um presente que pode ser a rara oportunidade deles o verem pela ultima vez e, no caso de Ian, pela primeira e única. Após algo dar errado na primeira tentativa, eles partem em uma aventura urgente de 24 horas atrás da única gema que pode fazer com que eles consigam completar o corpo do pai e o ver pela (primeira e) ultima vez. 

Com roteiro assinado por Dan Scanlon (também diretor), Jason Headley e Keith Bunin a história se estrutura nessa premissa de busca para criar seu tom de ação e aventura, costurando-se e pautando-se nas antigas histórias que os antigos livros (e agora games) contavam. Criando assim um laço extremo de ligação com passado. O filme é todo sobre isso, sobre as ligações que devemos ter com o passado, para estruturarmos nosso presente e, por que não?, pensar em nosso futuro. O curioso é que, a tendência é de tais laços do passado serem traçados por algum personagem mais maduro ou ranzinza ou que apenas viveu esse passado, mas em Dois Irmãos esses laços são traçados com os personagens mais jovens dessa obra. Os protagonistas assumem o papel de restauradores do passado e os mais velhos são na verdade as pessoas conservadoras que querem manter o status quo da “facilidade” que a tecnologia os proporciona. E essa é uma escolha acertada no filme, pois trazer esse ar de apego ao passado em personagens jovens não soa puro e simples saudosismo, mas sim como um mecanismo entenderem a si como seres que não necessitam única e exclusivamente de tais tecnologias. Uma nova forma de falar “sai desse celular e vá ver o mundo lá fora”, na prática, mostrando um celular quebrado e uma pessoa não se preocupando com isso. Ou mostrando seres dependentes de um veículo e que não conhecem seus próprios dons de alçarem voos sozinhos. 

No que diz respeito à aventura, o filme lida bem com isso, mas começa a demonstrar suas fraquezas. O chamado à aventura está sempre presente e sempre rompendo-se. Entretanto, da mesma forma com que apresenta muitas cenas de aventura, elas são curtas demais ou têm idas e vindas demais. Isso causa no espectador um efeito contrario que deveria causar, que era o de urgência. A única urgência causada está nesses pequenos atos de aventura que são logo quebrados ou resolvidos para, em seguida, vir outro pequeno ato de aventura. E isso segue até o seu final, onde há uma explosão de pequenas cenas de ações com suas aparentes resoluções, seguidas por outras pequenas cenas de ações. O que quebra um ritmo que poderia ser muito melhor administrado ao espectador. Tal quebra se faz ainda mais evidente quando o filme apela, necessariamente, às previsibilidades de cenas onde há um confronto entre personagens (não no sentido de ação) e onde eles irão precisar de uma força interior para superar seus medos ou para conseguirem um objetivo. 

Voltando aos fatores louváveis do filme, o ato de os personagens mudarem, mesmo que para isso sejam exigidas as quebras causadas pelos previsíveis clichês, e mudarem os personagens a sua volta é interessante e “novo”. Também é louvável o fato de pequenas coisas que parecem serem apenas trechos de humor se tornarem importantes para ações futuras do personagem e, quando notamos, nos sentimos contemplados com tais ações. Outro fator é que, embora não haja uma beleza pictórica no filme, sua concepção muito bem organizada, trazendo traços únicos aos personagens tanto élficos, quanto os demais como os dragões e as incríveis fadas motoqueiras. Porém, o mais louvável de tudo se encontra na forma com que o roteiro conduz a história a alterando para O ponto chave do filme. As redenções de personagem no terceiro ato e suas mudanças de objetivo dramático trazem lágrimas aos olhos e retoma mais fortemente a relação entre a família. 

Assim, mesmo cometendo deslizes que muito ligam-se aos clichês e às quebras desnecessárias que o filme traz, Dois Irmãos emociona no final e se estrutura seguramente ocasionando reviravoltas que são as principais responsáveis por tais emoções. Disney/Pixar conseguem, mais uma vez, fazer parecer cair um cisco nos olhos do espectador, mesmo sem estar em seu auge quanto à narrativa.

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